Você Escolhe Seu Vinho ou Ele Escolhe Você?

Você Escolhe Seu Vinho ou Ele Escolhe Você?

Uma reflexão ao consumo consciente de vinhos

Publicado em: 01/04/2025 às 13:25

No mundo do vinho, assim como em muitas outras esferas da vida, observamos um fenômeno bem documentado por especialistas em comportamento: o mimetismo. Esse conceito, elaborado pelo pensador francês René Girard, sugere que nossos desejos não são inteiramente autônomos; pelo contrário, muitas vezes desejamos algo porque vemos outros desejá-lo.

O Mimetismo e a Origem dos Desejos

René Girard, em sua teoria do desejo mimético, argumenta que os seres humanos não desejam de forma espontânea, mas aprendem a desejar ao observar os desejos alheios. Esse mecanismo é essencial para a formação da cultura e para a estruturação das relações sociais. Segundo ele, o desejo é sempre triangulado: não desejamos um objeto diretamente, mas porque outra pessoa o deseja. Esse "modelo" de desejo acaba gerando competição, frustração e, muitas vezes, conflitos.

A influência de Girard pode ser percebida em diversas áreas do conhecimento, da literatura à psicologia social. Ele se inspirou em clássicos como Cervantes, Dostoiévski e Proust para demonstrar como esse mecanismo está presente na história humana. O desejo mimético também fundamenta grande parte das dinâmicas de consumo, algo que Pierre Bourdieu aprofundou ao discutir como o gosto é socialmente construído. No mercado de vinhos, essa dinâmica é evidente: é comum vermos consumidores buscando determinadas marcas ou estilos porque foram validadas por especialistas, celebridades ou influenciadores digitais. O próprio status do vinho muitas vezes se sobrepõe à experiência sensorial genuína.

O Mimetismo no Consumo do Vinho

Nessa lógica, a experiência do vinho é frequentemente reduzida a uma imagem bem enquadrada, a um rótulo de grife, a uma garrafa estrategicamente posicionada ao lado de uma mesa bem posta ou de um pôr do sol. A degustação real, a percepção das nuances e da história contida em cada taça, fica em segundo plano. Importa mais a aprovação social do que o prazer verdadeiro. Como resultado, muitos consumidores se tornam vítimas desse ciclo, adquirindo vinhos que, em vez de proporcionar uma experiência enriquecedora, apenas alimentam um circuito fechado de desejos que nunca se satisfazem completamente.

Esse mesmo mecanismo também explica o sucesso prolongado de certas marcas consagradas, cujos produtos, há muito tempo, deixaram de oferecer a qualidade que um dia supostamente tiveram. O nome e a reputação garantem sua permanência no topo, ainda que a essência já tenha se perdido. Poucos consumidores questionam ou exploram novas opções. A segurança da imitação é mais confortável do que o risco da descoberta.

O Alerta dos Irmãos Grimm

Esse fenômeno nos remete aos contos dos Irmãos Grimm, cuja versão original das histórias era bem diferente das adaptações românticas da Disney. Jacob e Wilhelm Grimm eram filólogos e estudiosos do folclore alemão que coletaram narrativas populares que, em sua essência, traziam ensinamentos morais profundos. Ao contrário das versões adoçadas para crianças, os contos originais eram sombrios e alertavam sobre os perigos do mundo.

Histórias como "Chapeuzinho Vermelho", "João e Maria" e "Branca de Neve" não são apenas fantasias infantis, mas narrativas que revelam os perigos de se deixar seduzir pelas aparências. O "docinho da bruxa" e a "maçã envenenada" simbolizam as armadilhas que nos atraem com promessas vazias. No mundo do consumo, o paralelo é evidente: muitos produtos são vendidos com embalagens sedutoras e discursos cativantes, mas ocultam uma qualidade questionável.

Assim como nos contos, onde a ingenuidade pode levar a desastres, no consumo de vinhos a falta de senso crítico pode resultar em decepção. A busca pelo que é mais "instagramável" ou pelo que é socialmente aprovado nos afasta de experiências autênticas e prazerosas.

Como Desenvolver um Consumo Mais Consciente

Sair dessa armadilha é o que chamamos de consumo consciente. Trata-se de desenvolver autonomia na escolha, discernimento para decidir e controle sobre desejos que, muitas vezes, ao serem conquistados, não trazem a satisfação esperada. Pelo contrário, podem gerar frustração e até afastar o consumidor de experiências genuínas que poderiam, de fato, ser prazerosas e enriquecedoras.

Para nos tornarmos consumidores mais críticos e fiéis ao nosso próprio paladar, algumas práticas são essenciais:

  • Explorar diferentes opções: Nem sempre os vinhos mais badalados ou caros são os melhores. Experimente rótulos de produtores menores, menos comerciais, e descubra o que realmente lhe agrada.
  • Degustar com atenção: Em vez de se preocupar com a marca ou a origem, concentre-se nos aromas, na textura e na complexidade do vinho.
  • Estudar e questionar: Leia sobre vinhos, informe-se sobre regiões, métodos de produção e estilos diferentes. Isso ajuda a construir um paladar mais educado e a evitar escolhas baseadas apenas na embalagem.
  • Evitar a pressão social: Nem sempre o vinho que todos estão postando é o melhor. Valorize sua própria experiência acima das tendências.
  • Expandir o repertório: O conhecimento e a prática são as verdadeiras chaves para a liberdade de escolha. Quanto mais nos aprofundamos, experimentamos e aprendemos sobre vinhos, mais desenvolvemos autonomia para decidir sem depender de modismos ou imposições externas.

Ao entender esses aspectos culturais, podemos questionar os comportamentos consumistas modernos e buscar um consumo mais autêntico e crítico, desapegado da ideia de que o que é socialmente valorizado é, necessariamente, o melhor. Essa perspectiva nos ajuda a ver que o verdadeiro prazer do vinho não está na aparência social do consumo, mas na experiência genuína e no desenvolvimento de um paladar próprio e consciente, algo que também podemos explorar como uma forma de autonomia no consumo.

O convite é para que bebamos com mais consciência. Para que experimentemos o vinho com a mente aberta, livres de preconceitos e da necessidade de validação social. Para que desenvolvamos nosso próprio paladar e sejamos guiados pelo prazer autêntico da descoberta, e não pelo desejo alheio. Assim, evitamos os contos de fadas do consumo e nos aproximamos de experiências reais, verdadeiramente satisfatórias. Quanto mais ampliamos nosso repertório e refinamos nossa percepção, mais livres nos tornamos para fazer escolhas baseadas na essência, e não na aparência. E assim, podemos de fato ser fiéis ao nosso próprio paladar sem sermos seduzidos pelo "docinho da bruxa" ou, melhor dizendo, pelo "vinhozinho da bruxa".

Um brinde ao consumo consciente!

Por Eduardo Angheben