O Vinho que Bebemos Diz Quem Somos

O Vinho que Bebemos Diz Quem Somos

Um ensaio sobre desejo, ostentação e inteligência sensorial no mundo do vinho. Por que beber com autonomia é um ato de liberdade — e o vinho que escolhemos diz muito sobre quem somos.

Publicado em: 16/05/2025 às 10:34

O Vinho que Bebemos Diz Quem Somos (por Eduardo Angheben)

Quanto mais vazia é a experiência interior, mais famoso precisa ser o rótulo.

Há quem compre vinhos como quem compra distração: para tapar o buraco da própria superficialidade sensorial.

Como escreveu Fernando Savater, “quem não cria, não imagina, nem reflete, depende de comprar tudo: tempo, prazer, distração”.

O mesmo se aplica ao vinho.

Num mundo em que o paladar se torna cada vez mais terceirizado por notas, rankings e medalhas, beber com autonomia tornou-se um gesto raro. A maioria apenas replica desejos alheios, aprisionada por referências consagradas e validações externas.

Como diria René Girard, o desejo não nasce em nós de forma pura, mas mimética: desejamos aquilo que outros desejam. E é justamente aí que o vinho perde sua alma — quando não é mais fruto da escuta sensível, mas sim um troféu simbólico.

O vinho, porém, não precisa ser isso. Não precisa ser espetáculo, nem ritual de exibicionismo social.

É possível beber com alma, com presença, com profundidade. Mas isso exige algo que não se compra: repertório, imaginação, sensibilidade.

Henry David Thoreau afirmava que a verdadeira riqueza está em reduzir as necessidades e aprofundar a experiência do que já temos. Beber vinho com uma mente rica é infinitamente mais poderoso do que colecionar rótulos premiados sem qualquer profundidade interior.

Quando carregamos conosco a fortuna silenciosa da cultura, como diz Savater, até uma taça de vinho pode revelar um universo.

O vinho que bebemos diz muito sobre quem somos. Sobre o quanto confiamos no nosso gosto, na nossa escuta sensorial, no nosso olhar atento.

Quando é preciso um nome famoso para justificar o prazer, talvez não seja prazer o que se busca — mas apenas pertencimento.

A inteligência sensorial se constrói com conhecimento, com discernimento, com prática. É preciso estar disposto a errar, a descobrir, a ouvir o próprio paladar antes de seguir os outros.

Não há caminho curto para isso. Mas há liberdade.

E beber com liberdade é, talvez, o maior gesto de autonomia que um apreciador de vinho pode viver.

Com Apreço.

Angheben

Um ato de inteligência.

Por: Eduardo Angheben