
O Ovo, o Vinho e a Ciência
O Ovo, o Vinho e a Ciência - por Eduardo Angheben
Publicado em: 04/02/2025 às 18:03
O Ovo, o Vinho e a Ciência!
(Escrito por Eduardo Angheben)
Ah, a ciência! Aquela amiga que vive mudando de ideia, como se a vida fosse uma grande pesquisa de mercado. E nós, pobres mortais, tentando acompanhar a montanha-russa das descobertas científicas. Durante anos, tomamos a famosa tacinha de vinho tinto para o coração, porque a ciência jurava que uma dose diária era um "milagre mediterrâneo". Aí, do nada, vem a grande revelação: “O álcool, em qualquer quantidade, faz mal!”.
Como assim?
E todo aquele charme de "vinho com amigos"? Esqueça! Agora: "beber é brega".
E a gente aqui, tentando entender o que aconteceu com o nosso estilo de vida europeu refinado...
Parece até que a ciência tem o poder de mudar de opinião como uma novela, e a gente vai ficando perdido no meio dessa trama.
Mas não se engane, o álcool é só um dos vilões da vez. A carne vermelha, por exemplo? Ah, a carne já foi acusada de ser assassina de células, e agora, será que o boi, coitado, um dia será redimido transformando-se num novo superalimento? Em breve, talvez o pessoal comece a defender o churrasco como uma forma de alimentação de alta performance, né? Ou partiremos de vez para o consumo de barras de proteína de insetos? Essas sim, na vanguarda da nutrição. Vamos esperar os novos estudos. Enquanto isso, a outra manchete é que o pobre boi que pasta tranquilo nos pampas ou em outros rincões, além de sua nobre e deliciosa picanha, carrega a responsabilidade de ser o vilão do planeta, com seus já famosos "puns" poluentes. Ou seja, o que antes já foi uma grande fonte de vitaminas, proteínas e gorduras hoje é a ameaça ao planeta. Ah, a ciência e suas certezas inconstantes.
E o ovo? O ovo... Ah, o ovo! Lembram quando a gema era uma bomba de colesterol capaz de explodir seu coração em minutos. A ciência nos aterrorizava: "Nunca mais comam ovo, nem mesmo a clara!" E agora? Agora o ovo está liberado, é um amigo de infância, sem culpa, sem pecado. Aliás, a cada reviravolta, parece que o ovo está se tornando o novo "superalimento" do futuro. Mas, espere, a gordura saturada, os óleos vegetais que a princípio eram para máquinas e quase extinguiram a pobre banha de porco??? E o que dizer da margarina...? Pois é, nem as formigas comem margarina, como já diz a sabedoria popular. Sabe por quê? Porque, se as formigas são tão naturais e sábias, quem somos nós para contradizê-las? Será que elas sabem algo que a ciência ainda não nos contou? Formigas: 1, Ciência: 0.
E o café? Ah, o café… Por muito tempo, o café foi o vilão dos corações acelerados, mas de repente, ele virou um elixir da produtividade. Quem diria? Agora ele é a essência do despertar matinal, o combustível do "eu posso conquistar o mundo hoje". Ahh, mas e o sono??? É café, seu malvado!!!
E o pão? E o queijo? A massa? Como ficarão? Como ficaremos se proibirem esses nossos velhos companheiros de jornada??? Já pensaram se algum desses “sábios de plantão” decretar o fim da Pizza? Ai é guerra!!!
Talvez o caminho seja viver de luz! E os raios solares? Podem ser cancerígenos, não vai rolar. Para isso temos os protetores solares, mas e a vitamina D, como fica???? Qual certeza eu escolho??? E a nossa boa e “Bela polenta cosi Tcha-tcha-pum”? Agora é de milho transgênico, feito pela ciência! Qual ciência? A ciência, de novo, nos enganou. Ou não! Será que não estamos delegando a ela decisões que com conhecimento e discernimento cabem a cada um de nós?
Se analisarmos mais a fundo é isso que a ciência faz: cria dúvidas, muda conceitos e, no fim das contas, nos deixa com aquela sensação de que estamos sempre buscando algo que, no fundo, nunca vai ser "a verdade". O equilíbrio, na realidade, virou uma crença. Cada um escolhe em que acreditar, como se estivéssemos vivendo uma grande seita da saúde. "Eu vou de ovo frito, e você? Vai de chá verde?"
E agora, surge a nova ordem moral: a "sobriedade" — um movimento que inclui os adeptos do NoLo (No and Low Alcohol) e do Mindful Drinking. São os novos "curious", que substituem o álcool por bebidas alternativas, como os mocktails, ou vinhos e cervejas sem álcool, muitas vezes carregados de açúcar, enquanto pregam a pureza e o autocontrole. Mas onde está o questionamento sobre esses novos hábitos? Será que o excesso de açúcar também não tem seu impacto? Eu, sinceramente, não sou contra nada disso. Cada um deve buscar seu equilíbrio. Cada pessoa que faça as suas escolhas e que decida o que bem quiser desde que não interfira na liberdade dos outros. Só me pergunto se, para validar uma nova proposta, é mesmo necessário destruir a anterior ou a que não se enquadra na nova onda.
Será que a velha tacinha de vinho precisa ser vilanizada para que o novo copo de kombucha seja enaltecido?
Parece que, no esforço de abraçar uma nova ideia, esquecemos que a convivência pacífica entre as escolhas é bem mais saudável do que a imposição de uma nova "verdade única". Nossos ancestrais sempre estiveram errados e a nossa geração é que sabe tudo??? Esqueçamos, pois, dos Sumérios e seu Código de Hamurabi, dos Egípcios, Gregos, Romanos e os Cristãos, cada um com seu sacral hábito de beber um fermentado de uvas que de alguma forma simbólica ou ritualisticamente os conectava aos seus deuses ou Deus.
Todos eles: bregas!
Em razão disso muitas vinícolas no mundo têm se adaptado à essa nova tendência “criando” produtos que atendam esse mercado. Nada errado nisso, mercado pedindo, empresas produzindo. Suprir demandas é do jogo. Porém, o que considero um equívoco é chamar esses “novos” produtos de: vinho sem álcool. Assim como não existe vinho de laranja (e sim fermentado de laranja), não existe vinho sem álcool. Vinho tem álcool em sua composição. Fato. Se não tiver álcool é outra coisa. Pode ser um suco de uva em garrafa de vinho ou de espumante. Pode até ser um vinho que foi desalcoolizado, mas ao tirar o álcool agora é um outro produto.
Sim, existe um comportamento de consumo onde pessoas querem ter uma espécie de sensação de estar bebendo vinho, mas sem sentir o efeito do álcool. É um comportamento social. No entanto, isso não faz do líquido um vinho. O consumidor não é bobo (ou não deveria ser), ele sabe que não é vinho. Se não sabe, bom, talvez não seja vinho que ele esteja precisando...
Enquanto alguns se embriagam em celulares, internet, TikTok e jogos — os "novos vícios modernos" — e pregam a "sobriedade" como o novo mandamento, nos esquecemos do poder do silêncio, da contemplação, da beleza. A ciência tem a capacidade de explicar o que é material e tangível, mensurável. Para tal, o ser humano usa os cinco sentidos. A vida, a consciência, a autoconsciência, por sua vez, só são vivenciadas através de algo não mensurável: a vida interior. Para alcançarmos o discernimento e a sobriedade no modo de vida moderno, precisamos, antes de tudo, resgatar esse espírito de quietude. E é aí que o vinho pode participar. Como diz Scruton, no livro "Bebo, Logo Existo", "...o vinho bebido no estado de espírito certo, é definitivamente bom para a alma...ao pensar com o vinho, aprendemos a beber em pensamentos e a pensar em goles". Ele também escreve na obra: “Bebido na ocasião certa, no lugar certo e na companhia certa, o vinho é o caminho para a meditação e o arauto da paz”.
Aqueles que pregam que "beber é brega" e que a verdadeira pureza está em um estilo de vida sem álcool são, muitas vezes, os mesmos que fazem uso de produtos químicos embalados sob forma de “inofensivos” cigarros eletrônicos, ou outras novidades encapsuladas da “Pharmakeia”, em uma lógica de um “novo luxo”, sempre decidindo os rumos da ciência, é claro. Eles, sim, os "limpos" e "puros", têm a receita da verdade, a nova soberania científica!
O que nos resta, então? Quem sabe consumimos somente uma ração para astronautas. Ou melhor, na ânsia pela pureza dos corpos, porque não fazemos uma transferência de dados e da alma para um corpo robótico? Trocaremos o “barro” pelo ferro? Qual “carbono” que está se tentando eliminar de fato com tanta narrativa???
Seguir as novas doutrinas ou tentar encontrar um equilíbrio?
E quem diria que a mesma ciência que nos levou para a Lua não consegue acabar com a fome no mundo? Não resolveu as crises energéticas, nem transforma o lixo que geramos em algo útil. Mas ela está lá, nos dizendo que, sim, a carne vermelha vai matar o planeta, o ovo, ah ovo voltaremos a falar ao fim do texto, e até o sal que movimentou (bem ou mal) nossa civilização, que conservou alimentos, é um “novo velho” vilão à espreita. Claro com a exceção do Sal do Himalaia que está impregnado das boas energias orientais e da pureza das alturas. O pobre palheiro (que não enriquece ninguém) foi junto na mesma vala do cigarro, esse último o mesmo do famoso cowboy, que segundo uma lenda urbana morreu de câncer muitos anos depois dos comerciais. Mas charuto pode (por enquanto), porque deve ser muito importante para finalizar as ricas reuniões de negócios dessa indústria científica. E enquanto isso, a fome, a miséria e os desafios do nosso mundo real continuam sem resposta. E o vazio das almas, a ansiedade que está a cada esquina, a depressão e a avalanche de informações rasas e fúteis!!! Cadê você, ciência? Cadê vocês, gurus do que os outros devem fazer, transbordando “certezas científicas”? Nada mais contraditório.
A mesma ciência que não revela nosso propósito como seres humanos. Será que não somos, afinal, os maiores enigmas de todos?
Mas, enquanto essa resposta não chega, vou continuar com minha “tacinha” de vinho artesanal (prefiro não revelar o volume para não mostrar o tamanho da minha breguice), meu ovo caipira, minha rúcula do quintal, um doce leite de tacho, um tomatinho cereja e, por que não, um bifinho de Angus dos pampas com pasto nativo ou uma costelinha de porquinho Moura, assado 02 horas no forno em temperatura baixa até desmanchar. E como o tabaco mata em 30 anos, farei como a piada que meu pai sempre conta: quando completar uns 90 anos, começarei a tragar um cachimbo. Porque, no fim das contas, a verdade está em nossas mãos, e o equilíbrio depende de onde colocamos nossa fé.
Uma velha e famosa frase permanece sempre atual nessa altura: "A diferença entre remédio e veneno é a dose." A dose certa de diversão, de comida, de bebida, de conhecimento, de discernimento. Porque se a ciência diz, a vida reinterpreta.
E para terminar com chave de ouro, ou melhor “chave de ovo” (falei que voltaríamos a falar dele) um pouco de arte para alimentar nossa alma (enquanto a ciência não sente ciúmes da arte). Transcrevo abaixo a genial crônica de Luis Fernando Veríssimo, esse mestre da comédia e da reflexão...
"Ovo"
"Agora essa. Descobriram que ovo, afinal, não faz mal. Durante anos, nos aterrorizaram. Ovos eram bombas de colesterol. Não eram apenas desaconselháveis, eram mortais. Você podia calcular em dias o tempo de vida perdido cada vez que comia uma gema. Cardíacos deviam desviar o olhar se um ovo fosse servido num prato vizinho: ver o ovo fazia mal. E agora estão dizendo que foi tudo engano, o ovo é inofensivo. O ovo é incapaz de matar uma mosca. A próxima será que o bacon limpa as artérias. Sei não, mas me devem algum tipo de indenização. Não se renuncia a pouca coisa quando se renuncia a ovo frito. Dizem que a única coisa melhor do que ovo frito é sexo.
A comparação é difícil. Não existe nada no sexo comparável a uma gema deixada intacta em cima do arroz depois que a clara foi comida, esperando o momento do prazer supremo, quando o garfo romperá a fina membrana que a separa do êxtase e ela se desmanchará, sim, se desmanchará, e o líquido quente e viscoso correrá e se espalhará pelo arroz como as gazelas douradas entre lírios de Gilreade nos cantares de Salomão, sim, e você levará o arroz à boca e o saboreará até que o último grão molhado, sim, e depois ainda limpará o prato com o pão. Ou existe, e eu é que tenho andado na turma errada.
O fato é que quero ser ressarcido de todos os ovos fritos que não comi nestes anos de medo inútil. E os ovos mexidos, e os ovos quentes, e os omeletes babados, e os toucinhos do céu, e, meu Deus, os fios de ovos. Os fios de ovos que não comi para não morrer dariam várias voltas no globo.
Quem os trará de volta? E pensar que cheguei a experimentar ovo artificial, uma pálida paródia de ovo que, esta sim, deve ter roubado algumas horas de vida, a cada garfada infeliz.
Ovo frito na manteiga! O rendado marrom das bordas tostadas na clara, o amarelo provençal da gema... Eu sei, eu sei. Manteiga não foi liberada. Mas é só uma questão de tempo.”
Ah, os ovos… sempre eles, assim como o vinho (In vino veritas), como a verdade: se você souber aproveitar a dose certa, são o prazer e a alegria no prato ou na taça. Quem diria que um simples ovo e uma simples taça nos ensinariam tanto sobre a vida e a ciência?
Um brinde à liberdade de escolha, com álcool ou sem, não importa! Mas, se for preparar ovos que sejam (com certeza!!!) na manteiga, por favor!