A Anestesia do Sensível
Descubra como a modernidade e a vida digital estão gerando uma “anestesia do sensível”: o olhar neutro da Geração Z, o corpo medicado e a perda da conexão com o desejo. Um ensaio sobre a importância de preservar o sensorial, o prazer e a experiência autêntica da vida.
Publicado em: 18/10/2025 às 16:00
A Anestesia do Sensível
Nas últimas décadas, a humanidade conquistou um nível de controle sem precedentes.
Controlamos o tempo, o corpo, as emoções — e, mais recentemente, até o apetite.
Remédios reguladores de apetite e seus semelhantes prometem reduzir a fome e o peso.
Mas, por trás dessa promessa moderna de eficiência, há algo que merece ser observado com atenção:
ao controlar o apetite, talvez estejamos também reduzindo nossa relação simbólica com o desejo —
o mesmo desejo que, em sua forma mais ampla, é o que move a vida.
O desejo — seja por alimento, vinho, arte ou encontro — é o que nos tira do lugar.
É o que nos põe em contato com o outro, com o mundo, com o tempo.
Claro que não devemos nos tornar escravos do desejo.
Mas, quando ele é medicado, substituído por controle químico, o corpo deixa de ser campo de experiência e se torna apenas objeto de gestão.
O olhar neutro da Geração Z
Paralelamente, há outro fenômeno inquietante: o chamado “olhar neutro” da Geração Z.
Pesquisadores e observadores culturais vêm descrevendo esse olhar quase sem expressão —
uma fisionomia emocionalmente contida, moldada por uma vida mais digital que humana.
Um olhar que reflete mais adaptação do que presença.
Talvez seja um modo de defesa diante da exposição constante das redes sociais.
Ou talvez seja o sintoma de algo mais profundo: o enfraquecimento da relação com o real.
A anestesia do sensível
Esses dois fenômenos — o corpo medicado e o olhar neutro — parecem apontar para uma mesma direção: a anestesia do sensível.
Vivemos uma época em que sentir é visto como vulnerabilidade, e não como potência.
Onde o prazer é suspeito, a emoção é regulada, e o contato direto com o mundo é substituído por representações filtradas.
Chamam isso de evolução.
Mas talvez seja apenas uma forma sofisticada de empobrecimento.
Porque quando a vida se torna apenas administrável, ela deixa de ser vivida.
O sensível — aquilo que nos toca, nos move, nos perturba — é o que nos torna humanos.
E sem ele, o vinho perde o mistério, o encontro perde o sentido, o tempo perde sabor.
O antídoto
O desafio talvez seja justamente esse:
preservar o apetite.
O brilho do olhar.
A sede de sentir.
A coragem de experimentar o que é incômodo, intenso, verdadeiro.
Em meio à modernidade anestésica, o verdadeiro luxo é continuar vivo ao que sente.
— Eduardo Angheben